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Serra do Juá: quilombo de resistência
Serra do Juá: quilombo de resistência

Nascida e criada na Serra do Juá (Caucaia), Cláudia de Oliveira da Silva, 45, prefere ser chamada de Cláudia Quilombola. E não é para menos. O sobrenome, de peso, carrega em si toda um histórico de lutas e, sobretudo, de resistência de antepassados que foram escravizados e tiveram como primeiro refúgio outra localidade cearense: a Serra da Rajada.  

 

“A gente não tem uma data exata (de criação do quilombo) porque não foi feito o relatório antropológico. Mas os nossos antepassados saíram da Serra da Rajada, subiram a Serra do Juá e constituíram um novo quilombo, que a gente chama de quilombo de resistência porque foi o lugar de abrigo das pessoas que estavam em busca de liberdade”, conta ela.

 

Apesar de não residir mais na serra, Cláudia Quilombola mantém firme o vínculo de trabalho e de relações familiares com a comunidade, que atualmente conta com 35 famílias cadastradas na Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo da Serra do Juá. “Mas nosso número é maior, somos em torno de 40 famílias”, reforça ela.

 

Com experiência de 16 anos como professora na escola da própria comunidade, Cláudia foi gestora da mesma instituição de ensino por cinco anos e, de 2014 para cá, encontra-se à frente da Supervisão de Inclusão Étnico-racial e Territorial da Secretaria de Educação de Caucaia, trabalhando diretamente com as atuais sete escolas quilombolas.

 

A Serra do Juá, por sua vez, é uma das nove comunidades que receberam certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP). Além desta, já foram também certificadas no Estado as comunidades quilombolas de Porteiras, Cercadão dos Diceta, Caetanos em Capuan, Boqueirão da Arara, Serra da Rajada, Serra da Conceição, Deserto e Boqueirãozinho. 

 

No quilombo em Caucaia, a maioria das famílias ainda vive da agricultura familiar. Porém, são nos saberes ancestrais que a comunidade mantém viva a ligação com a espiritualidade. “Nós temos as rezadeiras, benzedeiras, mezinheiras (mulheres que curam através de chás e infusões) e parteiras. Estou dizendo tudo isso, mas uma única mulher, ela se resume em todos esses saberes e conhecimentos”, esclarece Cláudia. 

 

“A reza que essas mulheres trazem é uma reza ancestral, são saberes passados de geração a geração, inclusive a rezadeira da Serra do Juá é Maria Dalva, que é filha de uma outra rezadeira já falecida que era conhecida como Dona Maria José Congo e esse nome, na época, era tido como pejorativo, de deboche, e hoje a gente sabe que é um nome que traz toda uma herança africana”, explica Cláudia.

 

Também no ano de 2014, foi criado o grupo Piracema. “É uma sigla: Promovendo a Igualdade Racial com Artesanato, Culinária e Educação das Mulheres Afroquilombolas. Esse nome a gente utilizou dessa forma porque a nossa matriarca, que nasceu em 1914 e já é falecida há alguns anos, chamava-se Maria Iracema do Nascimento. Mas também tem um outro sentido, que é de remar contra a maré. Porque, para nós quilombolas, tudo é muito difícil. A gente tem sempre que estar remando contra a maré. Tem que unir forças para poder alcançar os nossos objetivos”.

 

Na parte de artesanato, o carro-chefe do grupo é a colcha de retalhos. Já na culinária, os destaques vão para os bolos tradicionais, como o de banana com canela. “A banana é o principal produto da Serra do Juá. Mas, além do bolo, nós também fazemos maria maluca, doces, cocadas. Tudo que é feito lá, a prioridade é que se valorize a cultura local e também contribua com a economia solidária, familiar”, afirma. 

 

O grupo de mulheres cirandeiras é outro atrativo: “Essa dança de ciranda não era só pra dançar, mas também pra gente entender a nossa conexão espiritual, uma roda de força, a questão da circularidade, trazer esses valores afroreferenciados pra nossa dança”, explica Cláudia Quilombola que, no dia 8 de fevereiro de 2015, também foi a responsável pelo surgimento da Caravana Cultural Afroquilombola de Caucaia. 

 

“A Caravana é um grupo que agrega quilombolas e não-quilombolas, e o trabalho dela é o fortalecimento da comunidade através do viés da cultura e da educação. A Caravana traz essa responsabilidade da pesquisa científica, do encontro dos saberes científicos com os saberes tradicionais da comunidade. E o Sesc sempre foi um grande parceiro na nossa luta”, reafirma Cláudia.

 

É com esse trabalho, da prática da reza ao artesanato múltiplo, que Cláudia Quilombola e o Quilombo da Serra do Juá serão destaque dentre as atrações do X Encontro Sesc Povos do Mar, de 6 a 11 de dezembro. Por conta da pandemia, as atividades no Sesc Iparana Hotel Ecológico (sem visitação) serão adaptadas para que o público possa acompanhar as transmissões pelas redes sociais e canal Sesc no Youtube. 

 

Após o encerramento do X Encontro Sesc Povos do Mar, será iniciado o VI Encontro Sesc Herança Nativa com a presença de quilombolas, povos indígenas e ciganos, de 11 a 15 de dezembro. O projeto é realizado pelo Sesc, instituição do Sistema Fecomércio, criado e mantido pelos empresários do comércio de bens, serviços e turismo do Estado do Ceará.