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No Tempo do Rio
No Tempo do Rio

Sr. Alberto e outros barqueiros mantêm vivo o legado da Barra do Ceará, histórico bairro rodeado por natureza e história

O encontro do rio com o mar ganha um tom ainda mais poético quando se está na Barra do Ceará. No histórico bairro, o Marco Zero de Fortaleza, a vida segue seu caminho, ora manso, ora um tanto quanto agitado, assim como o curso das águas que banham a paisagem. É lá onde famílias inteiras vivem e tiram seus sustentos. E, acima de tudo, a Barra do Ceará ainda é um lugar de sonhos.  

“Eu não deixo de sonhar. O dia de amanhã vai ser melhor do que hoje”, diz Sr. Alberto de Souza, barqueiro e presidente da Associação dos Barqueiros Barra Unida. E ele sabe o que fala. Sr. Alberto, que mora no bairro há 55 anos, viu de perto um pouco da história e das transformações do bairro, além de construir na Barra a sua própria história de otimismo e superação.  

Em 1604, Pero Coelho de Sousa instalou, às margens do rio Ceará, o Forte de São Tiago. Sr. Alberto, 415 anos depois, relembra com carinho quando pisou nas areias da Barra pela primeira vez, ainda aos cinco anos de idade. Sua chegada foi um tanto quanto curiosa. A família morava em Pacoti quando apenas o pai se mudou para Fortaleza para trabalhar na construção do Clube de Regatas. Até que um dia, no seu interior, o então menino ouviu pelo rádio um recado de seu pai, via locutor, informando que se encontrava na Barra do Ceará e que todos fossem ao seu encontro. E assim foi feito! 

As primeiras impressões ao estar na Barra do Ceará pela primeira vez não saem da memória. “Aqui era tudo morro, tinham poucas habitações. O pôr do sol você podia contemplar de todos os ângulos”, explica. O mar, claro, foi um encanto à parte. Ele lembra que, em Pacoti, ele estava perto de um rio, mas que sempre secava. “Agora não, aqui era uma praiazona para você curtir, jogar bola… foi amor à primeira vista”, declara-se.  

Apesar de estar em Fortaleza há mais de cinco décadas, sempre no mesmo lugar, Sr. Alberto preserva na alma e no coração a calma e a leveza de quem veio do interior, como aquele menino sonhador nos tempos de Pacoti. O senhor de riso fácil e fala tranquila lembra com carinho dos bons tempos de barqueiro, quando mais de 60 homens faziam a travessia pelo Rio Ceará. Até que, em 1997, a Ponte do Rio Ceará é inaugurada. “Foi um equipamento que chegou para trazer desenvolvimento”, diz Sr. Alberto.

No entanto, com a chegada da ponte, os barqueiros tiveram que se adaptar. Enquanto a maioria mudou de profissão, Sr. Alberto e alguns outros companheiros fizeram questão de continuar no ofício. Aprendeu, então, sobre a biologia e a história da Barra para, agora, fazer passeios socioeducativos. Seu barco segue deslizando pelas águas, mas, ao invés de ser apenas um meio de locomoção, transformou-se em um recanto de saberes e memórias. 

Sr. Alberto é, agora, um guardião da memória da Barra do Ceará, das belezas naturais, do mar, do rio e do mangue. E, acima de tudo, é um ferrenho defensor da biodiversidade local, quando explica em seus passeios sobre a importância da preservação da fauna e da flora. 

Sr. Alberto e seus companheiros participam todos os anos do Povos do Mar. E foi justamente em um desses encontros que surgiu a ideia para a criação do “Projetos Flutuantes”, idealizado pela Fecomércio Ce, por meio do seu braço social Sesc Ceará, com o objetivo de valorizar as comunidades tradicionais e seus recursos naturais. Na vivência, é possível contemplar um dos ambientes naturais mais admiráveis do Ceará, com destaque para as belezas do Rio Ceará, o manguezal, a exuberância da fauna e flora local, além dos labirintos e canais naturais do rio que possui importância histórica. 

O “Conversas Flutuantes” acontece uma vez a cada mês, incluindo em setembro, quando acontece o Povos do Mar, onde tudo começou. O Sr. Alberto, aliás, gosta tanto da iniciativa que o Encontro deste ano ainda nem começou e ela já pensa como vai ser em 2020. “Você vê jovens da Barra como palestrantes, as pessoas interagindo com a gente, conhecendo e aprendendo, isso é muito importante”, declara, confiante, de que o legado dos barqueiros do primeiro bairro do Ceará continua mais vivo do que nunca.