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Juntos somos mais fortes
Juntos somos mais fortes
Foto: Júnior Panela

Em nove edições, o Encontro Sesc Povos do Mar contribuiu significativamente para o fortalecimento de comunidades, seus laços e manifestações. Nessa trajetória, o coco de praia emerge como caso emblemático

Em agosto de 2011, integrantes de 44 comunidades tradicionais de 12 municípios cearenses se reuniram para compartilhar seus saberes no I Encontro Sesc Povos do Mar. Durante quatro dias, pescadores, artesãos, quilombolas e etnias indígenas conversaram sobre ancestralidade, identidade e técnicas de artesanato, de trabalhos, culinárias e curativas, além de terem protagonizado discussões sobre preservação ambiental, sustentabilidade e turismo comunitário.

Oito anos depois, o Encontro Sesc Povos do Mar soma mais de 400 comunidades oriundas de 58 municípios do Estado, para cinco dias de intercâmbio de memórias, práticas e experiências – de 22 a 26 de setembro. Aos grupos presentes desde o início somaram-se vaqueiros, ciganos e outros não apenas do mar, mas do sertão e da serra, em uma grande congregação que revela a potência mobilizadora da cultura.

Em 2015 o Encontro Sesc Povos do Mar deu origem a um desdobramento voltado especificamente aos povos originários cearenses – indígenas, quilombolas, ciganos e sertanejos –, o Herança Nativa. Realizado sempre na semana seguinte, o evento é uma oportunidade de imersão nos modos de vida dessas comunidades, que permite aprofundar as trocas e a difusão de saberes e manifestações culturais.

Ao longo dessa trajetória, os dois encontros consolidaram-se como importantes espaços de fortalecimento e resistência desses povos, ao viabilizar redes de articulação e interação entre as comunidades, em um trabalho contínuo que atua diretamente na reconstituição das identidades culturais e territoriais.

Um dos resultados mais visíveis desse processo é o aumento do número de grupos de tradição participantes do Encontro ou mesmo organizados a partir dele, além de comunidades cujos movimentos de autoidentificação e estruturação também foram impulsionados pelo Povos. O caso dos grupos de coco é um dos mais emblemáticos. Na primeira edição, eram apenas dois – do Iguape e do Pecém; em 2019, o Povos vai reunir pelo menos 15 deles, dos mais antigos até alguns formados recentemente – como o Batuquê de Praia, de Paracuru, que estreia neste ano na programação.

“A gente participa desde o comecinho, temos até uns vídeos da época, estávamos iniciando nosso grupo, então era algo muito novo se apresentar fora da comunidade, fora do município”, recorda Mestre Marciano, 38, do Coco da Vila, de Canoa Quebrada, Aracati.

“O coco existe há muitas décadas em Canoa, mas ficou um tempo adormecido, esquecido. O que fizemos foi resgatar essa manifestação”, frisa o mestre. Em 2002 Marciano começou a trabalhar em um projeto tradicional da localidade, chamado Recriança.

“Na época a coordenadora perguntou se havia alguma coisa cultural na comunidade que pudesse ser resgatada. Eu tinha uma breve lembrança de uma dança em ocasiões de festa. Passei a perguntar pelos cantos, até que um tio meu me explicou que era a dança do coco, ele mesmo era um dos emboladores de antigamente”, lembra.

“Ele se propôs a, uma vez por semana, participar de encontros para falar sobre o coco, cantar, ensinar a dança. Levávamos para as escolas, as crianças adoravam. A partir daí surgiu o grupo. Esse meu tio, Luiz Pereira da Silva, foi nosso mestre até falecer, em 2006”, conta Marciano. A partir daí ele assumiu a responsabilidade.

Para o mestre, iniciativas como o Encontro Sesc Povos do Mar são fundamentais para fortalecer os grupos e, por meio deles, as próprias comunidades. “É importante encontrar outros grupos, trocar experiências, participar dos eventos, divulgar nosso trabalho. É nossa identidade, é o que somos”, resume.

Além das apresentações e oficinas com mestres do coco, o Povos do Mar também vai realizar a roda de conversa “A patrimonialização dos Cocos do Ceará”, com participação do Prof. Dr. Ricardo Nascimento, coordenador do Núcleo de Estudos das Performances Culturais e do Patrimônio Imaterial (PerformArte), da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).

Articulações

No caso das comunidades tradicionais, a contribuição do Encontro Sesc Povos do Mar vai desde o fortalecimento de articulações até o processo de autoidentificação. É o caso, por exemplo, dos povos ciganos, presentes pela primeira vez no Herança Nativa em 2018.

A participação veio na esteira de uma série de ações de mobilização, entre elas a realização do I Encontro das Comunidades Ciganas do Estado, em maio daquele ano, quando ciganos cearenses também comemoraram pela primeira vez seu Dia Estadual. Antes, em 2017, foi criada a Associação de Preservação da Cultura Cigana do Estado do Ceará (Asprecce).

Já no âmbito dos povos indígenas destaca-se o caso da etnia Karão, presente na região de Baturité e autoidentificado em 2018. Segundo a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), além dos atuais 14 povos registrados, existem outros grupos que estão se organizando.

Neste ano, os Karão participam pela primeira vez do Povos do Mar, com uma fala de sua cacique, Maria José Cordeiro Lima, sobre parentalidade e o papel da figura chamada “mãe outra” na tribo.