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Guardião da Cultura
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Tertuliano de Melo Neto transformou sua paixão pela História em contribuição valiosa para todo o Ceará, ao criar um museu de maneira totalmente independente

“Desde 1972 que junto cacareco”, diverte-se Tertuliano de Melo Neto, sobre o hábito de guardar papéis, objetos e outros itens relacionados à história da família. Apesar da brincadeira, ele reconhece que foi exatamente esse apego à memória o responsável por um dos mais importantes projetos de sua vida: a criação do Museu Tertuliano de Melo, que leva o nome do seu avô.

O equipamento, localizado na Fazenda Coité, distrito de Pedra e Cal, no município de Ibaretama, é o primeiro museu do Sertão Central a reunir um acervo arqueológico com importantes peças pré-coloniais da região. São mais de 400 peças indígenas e mais de 100 peças líticas – a exemplo de pilões rochosos, urnas funerárias em cerâmica e pontaletes de pedra. Ao lado deles, há também uma extensa coleção de objetos do período colonial.

Inaugurado em 2013, o Museu é resultado direto da paixão de Tertuliano por arqueologia e história. Pedagogo por formação e arqueólogo autodidata, coube a ele não apenas reunir as primeiras peças, mas posteriormente idealizar o Museu como a melhor solução para disponibilizar o acervo ao público.

“Depois de 40 anos guardando material referente à história da família e da fazenda, percebi que, se eu morresse, tudo aquilo se perderia. Pensei em doar à Prefeitura, mas fiquei temeroso de ficar apenas guardado, perdido. Então decidi colocar na fazenda mesmo, adaptando a estrutura e criando o Museu”, conta.

De lá para cá, Tertuliano recebeu contribuições para o acervo, entre elas doações de famílias vizinhas e da cidade, além de ter localizado novos itens no entorno da propriedade. “Há sítios cerâmicos e líticos próximos à fazenda. No espaço que fica ao fundo do Museu há, por exemplo, uma caverna com vestígios. No distrito, há uma gravura em pedra famosa, chamada ‘Pedra do Sol’, foi encontrada em 2008, é um achado único no Sertão Central”, menciona o fundador, para explicar a relevância arqueológica da localidade.

Em 2016 Tertuliano criou o Instituto Emília Ester de Melo – cujo nome homenageia sua avó -, para oficializar a criação e a gestão do Museu. De lá para cá o equipamento já foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e cadastrado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM-CE).

Ainda assim, a manutenção e funcionamento do equipamento segue sem nenhum financiamento ou apoio municipal, estadual ou federal, apenas com contribuições pontuais de professores da área com o trabalho de identificação e catalogação das peças. “Carrego tudo nas costas, sem ajuda de ninguém. Todas as despesas são pagas do meu próprio bolso. Mas quando fazemos o que gostamos é assim”, comenta.

Pela importância de seu acervo, o Museu já recebeu visitas ilustres como a do arqueólogo André Prous, professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. “Muitos especialistas já reconhecem a importância de pessoas como eu que são responsáveis por acervos históricos, são os chamados guardiões”, frisa Tertuliano.

Entre as visitas mais frequentes estão a de pesquisadores e grupos de estudantes. “Meu irmão ajuda nessa parte, pois ele mora perto da propriedade, mas sei que ainda temos muito a melhorar”, diz, referindo-se à visitação que depende de agendamento prévio. 

No dia 27 de setembro Tertuliano de Melo vai levar um pouco dessa grande experiência como guardião cultural e gestor de museu para o Encontro Sesc Povos do Mar. “Penso em levar réplicas de algumas peças – as originais não posso deslocar sem autorização do Iphan”, adianta ele. A ideia, de modo geral, é mostrar à comunidade que não é obrigatório ser especialista com muitos títulos para criar iniciativas nos campos da história e do patrimônio. “Não precisa ser arqueólogo ou historiador, por exemplo. Basta gostar do que faz”, frisa ele.

Em consonância com essa ideia, em 2020 o Museu Tertuliano Neto vai aparecer junto a outros equipamentos e instituições – como os museus comunitários e orgânicos – no documentário “Vestígios Pré-Coloniais Cearenses”, dirigido por Roberto Bonfim. “Os realizadores conversaram com pessoas de Icapuí, Itapipoca, várias cidades. Eles valorizam muito a figura do guardião”, comemora o gestor. “Talvez possa exibir o trailer do filme durante minha fala”, planeja.